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Banksy: EXIT through the gift shop

Há alguns anos os “mockumentaries” ou falsos documentários tornaram-se moda, uma certa febrizinha no metier audiovisual, e invadiram tvs e telas de cinema mundo afora. Falsos documentários são filmes que brincam com limites, conceitos e convenções do gênero DOC, que, feliz ou infelizmente, carrega consigo o peso de retratar “O REAL”. Esses filmes deslizam com suavidade por esse fardo. Apostam na linguagem. Reivindicam a ironia, a dúvida e o riso para com esse tal real. Ora documentam personagens inventados (como Zelig, do Woddy Allen), ora dão asas a imaginação tratando temas históricos, mitológicos ou “reais” e brincam com um certo jornalismo sério de TV que tem na entrevista a sua principal técnica (Misterious Objects at Noon, do Apichatpong Weerasethakul, postado acima, é para mim um dos melhores filmes nesse formato). Os  mockumentaries costumam instilar dúvidas sobre as confissões de verdade que tiram de seus personagens.

Banksy: EXIT through the gift shop joga com essa tradição do mockumentary de uma maneira bastante inteligente. Ao que parece, o filme é dirigido pelo próprio Banksy e teria como “tema” – outra obsessão dos Docs – a “Street Art”. Vem uma primeira surpresa: o nome do protagonista do filme não é Banksy (veja aqui o Site oficial do Bansky), mas Thierry Guetta – um francês aparentemente normal que mora em Los Angeles com uma mulher e dois filhos. No mundo das artes, Thierry tornou-se conhecido como Mr. Brainwash. Tinha mania de filmar tudo que via em sua frente. Gravava, obsessivamente, centenas de horas que nunca viria a editar, mas que formam boa parte do material que é exibido ao espectador de EXIT. De tanto filmar, Brainwash esbarrou com os principais emergentes da “street art” e, subitamente, tornou-se ele mesmo um artista e um curador que organiza exposições e vende obras pelo mundo todo.

Desconfiemos, pelo menos por alguns momentos. Mr. Brainwash é um ótimo personagem. Obsessivo, engraçado, desastrado, bonachão, sem talento algum – e que está presente filmando TODAS as intervenções da Street Art que ocorrem, quase simultaneamente, em cidades como Los Angeles, Paris, Londres, Tel Aviv e Tokyo. É claro que o personagem parece muito mais uma representação de um olhar onisciente  – que é impossível de acontecer num movimento global, descentralizado e diverso como a “street art”. Pouco importa se real ou inventado, Mr. Brainwash é um personagem cativante e, como todo bom narrador, te guia com entusiasmo entre os principais artistas do movimento que documenta. Veja AQUI Entrevista do Banksy sobre o filme.

O que chama a atenção são os posicionamentos éticos, estéticos e políticos de Bancsky. Eles tecem uma linha discreta, subcutânea, que permeia todo o filme. Assim como o sub-comandante Marcos, do EZLN, Bancsky esconde seu rosto e é  líder da street art, ainda que não queira sê-lo. Sua face é uma incógnita: nunca terá um close-up. Bancksy, portanto, escolhe o anonimato como uma posição política necessária `a sua condição de artista que realiza intervenções urbanas. Ele prefere os deslocamentos entre a arte do museu e a arte na rua. Traz a precisão e as técnicas do traço clássico para muros, cartazes, objetos e animais. Instila ironia nos leilões da arte contemporânea. É um artista instável. Sua assinatura dissolve-se entre o mundo do glamour e da indústria pop. Um artista político em tempos em que manifestos tornaram-se démodés. Sem rosto, Bancksy não é sequer bajulado nas vernissagens de suas exposições.

Pouco a pouco, Bancksy torna-se a sombra e a antípoda de Mr. Brainwash.  E é nesse argumento que encontramos o melhor do filme. Mr. Brainwash torna-se uma celebridade do mundo das artes ao longo do documentário. De artista frustrado, ele passa, magicamente, a ser um dos principais nomes da arte contemporânea. Bastou um jogada de marketing, uma declaração do Bansky, espalhada entre os cartazes de Los Angeles, uma boa mail list, um release, algumas entrevistas, a capa do caderno de cultura de uma revista, um quadro comprado pela Madona…. .Subitamente, o anônimo torna-se um artista e a exposição organizada por Brainwash entra para a história. A maior ironia desse personagem não é apenas o mercado e a indústria cultural, mas a evidência de um público crédulo que confia piamente nos comentários de jornalistas, artistas e criticos de arte. Este público crédulo permite a curadoria como a maior jogada da arte contemporânea. É ela que Banksy evidencia – e desdenha…. .

Ps: Vale a pena lembrar do genial e último filme de Orson Welles. Não há dúvida: F for fake evidencia-se como um dos melhores mockumentaries já feitos. Welles não apenas retrata o talento de Elmyr de Hory, que era o maior falsificador de quadros nos anos setenta – especializado em falsificar Matisse e Picasso. O curioso é como Welles se identifica com Hory. Ele mostra que o seu cinismo – assim como o de Elmyr Hory e de outros artistas – é uma resposta e mesmo uma proteção ética e estética frente a ilusão, essência da obra de arte, e a hipocrisia que circunda o mundo da indústria cultural… .

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